MULHERES SEM-TETO OCUPAM IMÓVEIS ABANDONADOS EM SÃO PAULO

por FLM
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Em marcha e ecoando “nenhuma mulher sem casa” foi assim que as mulheres sem-teto, organizadas na Frente de Luta por Moradia (FLM), ocuparam imóveis abandonados na madrugada desta sexta-feira, 01/04, na cidade de São Paulo.

A ocupação de propriedades abandonadas para viver e morar é uma maneira de colocar a importância da implantação imediata de um grande programa habitacional que atenda a população de menor renda.

Enquanto no Brasil mais de 132 mil famílias estão sob o risco de despejos, o estado de São Paulo ocupa o primeiro lugar no ranking nacional, com 47 mil famílias. Em decisão proferida na última quarta-feira, 30/03, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, prorrogou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. Medida que proíbe reintegração de posse até junho de 2022.

O adiamento dessa ação é resultado do processo de mobilização e organização dos movimentos sociais do campo e da cidade. Contudo, lutamos pelo fim dos despejos e por políticas públicas habitacionais. As desocupações são sentença de morte para quem não tem onde morar. Não é possível viver na cidade sem moradia. Assim como não é possível viver no campo sem o direito à terra.

Na carta aberta, direcionada ao poder público e toda sociedade civil, as mulheres sem-teto expressem suas realidades.

“Excelências:

Do executivo, do legislativo, do judiciário, das forças de segurança e toda vizinhança do entorno deste imóvel abandonado, homens e mulheres de bem

Nós, mulheres sem-teto, trabalhamos duro para o sustento de nossos filhos e de nós mesmas. Trabalhamos como: cozinheira, costureira, gari, doméstica, arrumadeira, nos serviços de limpeza, nos hospitais, comércio, nas escolas, cuidadoras, motorista, metalúrgicos, têxteis. Estamos dando duro em uma infinidade de produção e serviços para manter de pé toda sociedade. Além disso, cuidamos de nossas moradias, de nossos idosos e criamos nossos filhos.

Com toda essa labuta diária, que consome nossa vida, não somos reconhecidas, não somos valorizadas. E apesar desse trabalho duro, enfrentamos dupla jornada de trabalho, desrespeito em longos trajetos no transporte público, não ganhamos o suficiente para suprir as nossas necessidades e de nossos filhos. Sofremos a violência diária dos baixos salários, insuficientes para nossas necessidades e incompatível com a importância de nosso trabalho. Executamos a mesma função e recebemos salários inferiores. Em qualquer desarranjo do sistema capitalista somos as primeiras a perder o emprego.

Somos humilhadas diariamente, pois não conseguimos nos alimentar de maneira adequada, tratar da saúde, ter lazer, nem tempo para estudar. E combinado com esses infortúnios, devido à precariedade de nossas vidas, não conseguimos assegurar um futuro diferente para nossos filhos. Percebemos claramente, que o sofrimento que nossos antepassados viveram e que nós estamos enfrentando, estão reservados para nossos filhos e netos. São gerações sucessivas condenadas violentamente pelo trabalho humilhante e salários abaixo de nossas necessidades. Somos enclausuradas em territórios e moradias inóspitas para a vida humana.

Sentimos e acompanhamos, em nosso dia a dia, que as pessoas que utilizam nosso trabalho e se apropriam das riquezas por nós produzidas, são preguiçosas e irresponsáveis. São totalmente inúteis e danosas para nossa vida e de nossos filhos. São delinquentes, criminosos de sangue frio executando políticas econômica e social que os enriquecem sem trabalho e não se importam com a miséria e a morte das trabalhadoras. São desumanos e anticristãos.

Frente a este cenário catastrófico para nossas vidas e de nossos filhos, resolvemos correr atrás de nossos DIREITOS. Sabemos que no papel a legislação assegura o nosso Direito a uma moradia digna.

Por isso, ocupamos este imóvel abandonado sem função social, para ser nossa casa. Pleiteamos a sua desapropriação, sem indenização ao injusto possuidor e adequá-lo para a morada de nossas famílias. No lugar de ratos, dengue, pulgas e todo tipo de pragas urbanas que trazem doenças para a região; vamos limpar e colocar gente.

Aceitamos o apoio de toda vizinhança. Precisamos de móveis, utensílios domésticos, material de construção, roupas e alimentos.

Paz e bem. Venha nos visitar e conhecer nossas famílias. Vamos construir um ambiente de harmonia nesta comunidade.”

São Paulo, 01 de abril de 2022

NENHUMA MULHER SEM CASA

Mulheres da FLM – Frente de Luta por Moradia

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